sábado, 18 de outubro de 2014

• Anestesiado

É como me sinto. Anestesiado. Alheado da realidade. Da mais ou menos absurda conjuntura socio-económica e política que a todos nos condiciona.

E porquê?… Porque estou num retiro - podemos afirmar que espiritual - no Algarve. Na fronteira entre a agora nesta época pacata vila de Armação de Pêra e a mui aprazível freguesia de Porches. Alojado numa unidade hoteleira que se gaba de ser a melhor do pedaço. Não é difícil tal façanha…

Tecnicamente, pode-se chamar ao que eu faço quotidianamente trabalho. Afinal, estou a vender várias horas do meu dia ao serviço deste boutique hotel. E sou pago por esse facto.

Mas quereis saber o que eu faço, na verdade?… Brinco. Todo o santo dia. É isso. Brinco.

Brinco com seres humanos de todas as idades. Desde um aninho de idade até pacatos anciãos. Vá lá, também tenho de olhar pelos mais pequenitos. Tenho de ser um paizinho para estes. E com os adultos tenho de ser um companheiro para jogos e passeios. Enfim, passo os dias a ser um gajo porreiro para a malta toda.

E a malta toda a que me refiro são, claro, os hóspedes do hotel. Um grupo aleatório de pessoas das mais diversas nações europeias emissoras de hordas de turistas. Predominantemente britânicos, é certo. Mas também alemães, franceses, russos, belgas, polacos e etc..

Unidos num estado de espírito comum à quase unanimidade deles: não lhes apetece fazer a ponta dum corno. Apenas gozar os dias prazeirosos de fim de época alta, que muitas vezes é este Algarve a melhor região de Portugal continental a poder proporcionar-lhes tal glorioso desiderato.

Não estou a comungar com eles no dolce far niente porque não posso. Afinal, era o que mais faltava se eu ainda fosse pago para me deitar o dia inteiro numa espreguiçadeira á beira duma piscina!… Tenho de me mexer uma beka. Mas não custa absolutamente nada aquilo que faço. Acho mesmo que descobri o melhor emprego do mundo. E que eu poderei transformar em melhor ainda. Existe aqui uma margem de progressão bem catita.

E imerso neste ambiente social, e gozando este belo deste solzinho sulista, e olhando esta marzão tão azul, escuto por vezes ecos longínquos vindos da caixa que mudou o mundo. Que me lembram que ainda existem chatices tipo o Novo Banco, cheias na Baixa, broncas sobre colocações de profs nas escolas, as próprias escolas e a reforma do IRS. E pessoas que se atarefam com essas merdas na capital. Pobres coitados!… 

Quer-me parecer que o segredo da felicidade é cagar lá de bem alto em cima dessas porcarias todas. Como fazem por cá as filhas da mãe das gaivotas aos lisboetas stressadinhos como moi, quando as deixamos um tudo-nada marafadas com as nossas manias.

Deviam era de virem-se embora todos para o sul, ó alfacinhas! Que eu já fiz um intervalo para ir até Olissipo e não descansei enquanto não rumei de volta para aqui. Mas isso sou eu, que posso gabar-me de ser um cidadão livre. Rasca, sim, mas livre como o vento. E cada vez mais me sinto livre da pulhice daqueles que dizem que têm de ter um tal de sentido de estado.
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Nota: a foto deste post mostra a magnífica capelinha da Senhora da Rocha. Descubram onde é e venham p'ra cá, que decerto não se irão arrepender, ó leitores. Asseguro-vos.

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