quarta-feira, 23 de abril de 2014

• O Preço Certo, segundo JPG

Em 2005 José Pedro Gomes estreou um espectáculo teatral a que chamou “Coçar onde é preciso”. Eram uma série de monólogos sobre assuntos candentes e dúvidas existenciais detidas por este actor, que deveras admiro.

E tanto o faço que resolvi citar neste post que lhe dedico um excerto do seu livro “O País dos Jeitosos”. Em que fez uma resenha dos textos originados nas dissertações brilhantes produzidas no palco a solo.

Vamos a ver o que se ofereceu a José Pedro Gomes dizer sobre o preço certo de tudo na vida. Tão actual que achei esta sua análise… Passo a citá-lo (com alguns comentários meus mesclados pelo meio, em itálico, para se distinguirem do texto que não é da minha autoria):

O Preço Certo

Tenho a grande felicidade de não ser obrigado a ver televisão todos os dias e a todas as horas.
(Como eu te compreendo, Zézé… Como eu te compreendo.)

E eu percebo que há pessoas que são obrigadas a ver televisão: pessoas que vivem sozinhas e que vivem mal com isso; casais que já disseram tudo um ao outro, ou nunca tiveram nada a dizer um ao outro; pessoas que precisam de ver alguma coisa para adormecer; doentes no hospital; e... não imagino outras razões para alguém ver televisão. Pelo menos com a programação que nos atiram à cara.
(É… também não consigo imaginar outras razões. Melhor do que estar a ver a SIC generalista, só para dar um exemplo, era estar a deleitar-se com a leitura deste blog.)

Eu tenho a grande felicidade de estar a trabalhar nas horas em que os directores de programas nos brindam com o que eles acham que nós gostamos e é supostamente «nobre», como o horário. Mas tenho pena de não conseguir ver o Preço Certo, porque gostava de ficar a saber o preço certo de uma série de coisas.

Porque é bom vivermos com a noção correcta do verdadeiro custo das coisas. Sabermos o que a vida custa.

Por exemplo, eu tenho curiosidade de saber quando custa a um empreendedor imobiliário esperar 10 anos com um terreno de área protegida até poder construir que nem um javardo? Quanto recebe um partido em campanha para dar um grande negócio a uma empresa e não a outra, depois de estar no poder? Quanto custa a um grupo de tubarões fazer desaparecer o computador das finanças onde os seus negócios estão registados? Quanto custa mandar dar uma carga de porrada a um tipo que denuncia negociatas nos laboratórios farmacêuticos?
(O outro acho que diz que pagou ao outro com um caixote de robalos… O que complica ainda mais as coisas. Pois já não temos aqui apenas pagamentos em numerário.)

Não tem curiosidade de saber o preço certo destas coisas? Desculpem estar a inquietar-vos com estas coisas mas pensem só que há pessoas que neste preciso momento têm esse tipo de preocupações, até porque se trata da vida delas.
(Da vidinha, queres tu dizer, Zézé!… E que tantas vidinhas que há por aí... E a ampararem-se umas ás outras.)

E repare que não estou a pôr questões mais difíceis de contabilizar. Por exemplo: quanto custa a um polícia libertar um criminoso só porque o processo prescreveu ou desapareceu ou foi mandado arquivar? Quanto nos custa a todos um gestor público incompetente? Quanto custa uma ponte a cair, com mortos e tudo? Quanto custa adiar a construção duma nova travessia do Tejo em gasolina, tempo e irritação? Destas coisas é que eu gostava de saber o preço certo.
(És tu a querer saber e tantos a querer que não se saiba nem que sequer se reflicta sobre isso… Gostamos de remar contra a corrente, hein?… Ou de ser o grão de areia na engrenagem.)

Isto eu sei: uma fotocópia na Procuradoria-Geral da República aqui há uns tempos ficava por 60 mil contos, por exemplo. Sabia? Não sabia. Está tudo tão caro, não é? Mas se regatear bem a coisa pode ficar por 20 mil. Isto, claro, se as fotocópias tiverem um processo-crime em investigação.
(E aquela história duma simples pen drive vulgar de Lineu, de 1GB, arrematada sem concurso público pelos serviços da reitoria da Universidade de Coimbra pelo preço de €12.000?…)

Mas, felizmente, tenho o grande privilégio de conseguir ver de vez em quando o CSI. Uns polícias fantásticos que, numa hora, descobrem casos complicadíssimos. E, se formos a ver, só com uma lanterna por polícia, 2 ou 3 balas, 4 cotonetes, uma tinta azul milagrosa e o ADN do maralhal. É uma limpeza.
(Pois, tudo isso é muito bonito, mas o CSI não mostra o a posteriori. O que o sistema judicial faz com os gajos que os polícias apanham. Aqui em Portugal, com a nossa justiça, se cá houvesse uma corporação policial como um CSI, era como uma nogueira nobre e prolífera ser propriedade de um velho desdentado. Um desperdício total!…)

Fim de citação e dos comentários avulsos. Não se esqueçam de ler “O País dos Jeitosos”, caros concidadãos. Que eu não posso passar a citar esta obra filosófica na íntegra aqui, não é?...

2 comentários:

Unknown disse...

Giuseppe
Boa noite!
Por Deus, juro como gostaria de ver também, mas com certeza não os veremos “o preço certo”, por que não fazemos parte desta máfia meu amigo Giuseppe.
Fantástico este seu texto.
Agradecendo por partilhar.
Abraços sempre.
ClaraSol

Giuseppe Pietrini disse...

Boa tarde, anjo.

O texto só é em parte meu. Quis promover um humorista, José Pedro Gomes, que é algumas vezes ostracizado pela nossa media aqui em Portugal. Mas que é uma voz importante a ser ouvida.

E também quis mostrar quem tem a mesma opinião crítica que eu tenho, a propósito desse lixo que nos servem ao domicílio sob a forma de espectáculo televisivo. Do qual um célebre programa "The Price Is Right" é um exemplo máximo. É pena que o povão goste de assistir aquilo... Mas o povo é soberano e o que há a fazer é denunciar que o rei vai nu. Como se procura sempre fazer aqui neste blog.

Beijim! ;-)
Giuseppe


P.S.: adoro os seus avatars, minha amiga ClaraSol!...